A sensação de algo errado vem à tona.
Num mundo confuso, invertido e com relações cada vez mais distantes,
Surgem pensamentos e algumas reflexões:
Viver, além de muito perigoso, é para poucos.
Num lugar longínquo, esquecido pelo tempo, onde só é possível observar grandes serras e extensões de terra a perder de vista, um homem, absorto, agoniza.
Naquela morada rústica, antiga, histórica e imponente, nenhuma visita é recebida há longos e demorados anos, a não ser a solidão, que, certo dia, veio na companhia do seu fiel escudeiro, o ostracismo. E, a partir dali, ambos jamais deixaram o novo, que se tornara eterno, hábitat.
O velho, já definhado pelas marcas do passado, tem como única munição a sua, ainda viva, consciência.
E, em cima de uma cama, prostrado há três dias ininterruptos, o senhor estende o braço e leva a mão trêmula ao telefone.
Sem forças até para levar o aparelho ao seu colo, ele procura o nome daquele que, por anos, fora o seu maior inimigo.
Quando o encontra, hesita, pensa, reflete e, num impulso de derradeira lucidez, faz a ligação.
Do outro lado da linha, a muitos quilômetros de distância, o espanto se mistura com o faro.
— (…) Quanto tempo, senhor mandachuva.
— Calei-me por muitos anos e agora resolvi falar o que sei — respondeu com as limitações que a doença lhe impôs.
— Mas logo no momento em que nenhum cidadão se lembra mais de vossa excelência. Por quê? — indagou o combatente inimigo.
— Talvez porque tenha chegado a hora.
— Sempre tentei, em vão, uma entrevista exclusiva e o não era a resposta de praxe — afirmou o intrépido.
— À época, como bem sabe, se eu falasse metade do que sei, estaria assinando meu atestado de morte — disse o idoso.
— Então, diga-me, o que quer falar? O que o senhor escondeu enquanto esteve no poder?
— Tudo o que você falara, acusara e publicara era a mais pura verdade — respondeu o ancião.
— Quer dizer que os desvios de verbas, que eu tanto questionei, aconteceram?
— Sim — revelou num diapasão monossilábico.
— E o dinheiro, que destino tomou?
— Lavei em empresas fantasmas e ergui meu patrimônio — contou com a voz cada vez mais fraca.
O jornalista, já preocupado, solta:
— O senhor está bem?
E a resposta, com um esforço hercúleo, veio após longos segundos:
— Nunca me senti tão bem na minha vida.
E o que se ouviu, a partir daquele momento, foi o silêncio.
O velho mandachuva proferia suas derradeiras declarações e fechava os olhos pela última vez.